por Beatriz Gonçalves
Em
23 de Março de 2019, o atual presidente dos Estados Unidos da América, Donald
Trump, assinou um memorando restringindo “alguns” transgêneros de se alistarem
às forças armadas desta nação. Destaca-se a nomenclatura “alguns”, pois neste
documento é restringido o alistamento de transgêneros com disforia de gênero.
Isto é, segundo às autoridades americanas, estes são as pessoas que podem
requerer médico substancial, incluindo medicamentos e cirurgias para a sua
transição hormonal.
Entretanto,
nem sempre o governo americano foi adepto à restrição de transgêneros no
exército. Durante um pequeno lapso temporal, entre 2016 até 2017, ainda no
exercício governamental de Barack Obama, os Estados Unidos acabou com essa
restrição alegando que não poderiam fechar os olhos para tal realidade e
deveriam protege-los, pois o exército deve ter acesso de todos os talentos
possíveis.
Primeiramente,
antes de adentrarmos à profundidade do tema e suas problemáticas, é preciso
abordar as diferenças entre gênero, sexualidade e transgênero.
O
gênero se refere a diferenciação da própria pessoa entre ser homem e mulher, de
acordo com as construções sociais. A sexualidade, porém, é a atração sexual e
afetividade entre as pessoas. E transgênero é a identificação de gênero
contrária à identificação física e biológica.
Todavia,
com a mudança presidencial em 2017, toda essa discussão se iniciou quando
Donald Trump, no dia 26 de julho do mesmo ano, publicou através de suas redes
sociais a seguinte mensagem[1]: “Depois
de consultar meus generais e militares, por favor, fiquem avisados de que o
Governo dos Estados Unidos não irá aceitar ou permitir indivíduos transgêneros
para servir o Exército dos Estados Unidos em qualquer capacidade. Nossos
militares devem se concentrar em vitórias decisivas e extraordinárias, e não
podem se preocupar com os tremendos custos médicos e transtornos que seriam
causados por transgêneros entre os militares”.
Após
essa declaração, em 25 de agosto de 2017, Donald Trump expediu um memorando
nomeado como “Memorando para o Secretário de Defesa e Secretário de Segurança
Interna”[2], no
qual formalizou o banimento dos transgêneros de acordo com a sua declaração
através das mídias sociais. Neste documento, a autoridade presidencial solicita
a estes secretários que criem um plano implementatório sobre tal assunto.
Em
21 de Novembro de 2017, as cortes federais em Washington e Califórnia
protocolaram uma injunção preliminar junto à Suprema Corte para que fosse
proibido a determinação do presidente.
Após
alguns meses, em 22 de Fevereiro de 2018, a Secretaria de Defesa apresentou o
“Plano de Implementação” no qual recomendava que houvesse uma alteração no
memorando apresentado anteriormente, para que fosse permitido que os
transgêneros já presentes no exército continuassem à servir o país, ao invés de
serem expulsos.
De
acordo com a fundamentação da Secretaria de Defesa, a política inclusiva
comprometeria a aptidão médica porque há “considerável incerteza
científica” sobre a eficácia dos cuidados médicos para a disforia de gênero
(incongruência entre o gênero de nascimento) e porque as tropas diagnosticadas
com disforia de gênero são medicamente inadequadas e menos disponíveis para o
desenvolvimento. (CENTER, Palm. 2018:4)
De
acordo com a American Psychiatric Association’s (Associação Psiquiátrica
Americana)[3], a
disforia de gênero não deve ser equiparada à incapacidade. Segundo os especialistas,
através de análises de militares transgêneros e não-transgêneros, há a presença
de angústia em seus hormônios independentemente do gênero, pois isso pode ser
causado por qualquer motivo, como por exemplo, a saudade por estar longe da
família durante o serviço militar.
Ainda
em seguimento com a American Psychiatric Association’s, o Diretor Executivo,
Saul Levin, afirmou que “as pessoas transgêneros não possuem distorções
mentais; assim, eles não sofrem qualquer prejuízo em seu discernimento ou
capacidade de trabalhar”.
Estima-se
que há 12.800 transgêneros servindo os Estados Unidos. Muitos soldados ou
soldadas presentes atualmente no exército sofrem discriminações por se privarem
de serem quem são, pois a paixão de representar o seu país supera quaisquer barreiras.
Essas
pessoas são discriminadas pelos outros componentes do exército e pelas suas
regras internas, pois mesmo com as constantes mudanças corporais e hormonais, os
mesmos precisam necessariamente continuar a servir e usar os uniformes de
acordo com o sexo descrito no nascimento.
Sendo
assim, é indiferente que a mudança corporal externa seja explícita, a pessoa então
deve continuar agindo de acordo com o sexo no qual não há identificação.
Após
os diversos trâmites judiciais, a Suprema Corte em 2019, através da Ação Civil
Pública número 17-2459[4],
com a decisão de George L. Russel, autorizou que o veto de Donald Trump
entrasse em vigor. Desta feita, a medida começou a vigorar em 12 de Abril de
2019.
Com
essa medida, a Suprema Corte, não identificou que tal banimento violasse alguma
norma americana, pois o memorando seguiu os trâmites previsto no Art. 2 da Constituição
Americana, como por exemplo a solicitação de um parecer por escrito ao
principal funcionário em cada um dos departamentos executivos, conforme visto
anteriormente que de fato tal trâmite foi realizado.
Porém,
nessa decisão judicial no qual autoriza o explícito retrocesso no que tange
novamente a proibição de transgêneros americanos nas forças armadas, foi
esquecido totalmente os direitos humanos de cada um e a igualdade entre os
seres também previstos na Constituição Americana. A priori, todos os seres
humanos são livres para gozarem e usufruírem dos direitos básicos, todavia,
como é possível perceber, os direitos humanos em algumas situações são deixados
de lado quando não estão de acordo com os interesses próprios.
Tal
medida é o início de um novo retrocesso à população americana, pois mesmo com a
Resolução da ONU sobre a violação dos Direitos Humanos dos LGBTQ+, na qual os Estados
Unidos adota desde 2011, e mesmo que haja previsão expressa de que não pode
haver discriminação com os transgêneros, a referida norma não é seguida com a
fundamentação de que a transição com hormônios irá atrapalhar o desempenho nas
forças armadas e de que o governo não pode ser uma alternativa para financiar
as cirurgias de sexo.
Tal fundamentação
causa um enorme estrago na vida das pessoas que se identificam como
transgêneros, pois essas pessoas só querem servir ao seus país e possuem o
desejo de que sejam reconhecidos e aceitos como são, todavia, com essa medida,
além de serem julgados diariamente pela sociedade, são julgados também pelo Estado
como incapazes e más influências ao desempenho do exército americano em futuras
batalhas.
[1] https://tribunahoje.com/noticias/mundo/2017/07/26/no-twitter-trump-diz-que-nao-vai-permitir-que-transgeneros-prestem-servico-militar/
[2] https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/presidential-memorandum-secretary-defense-secretary-homeland-security/
[3] https://www.glad.org/wp-content/uploads/2018/04/Palm-Center-report-Rationale-for-Reinstating-the-Transgender-Ban-Is-Contradicted-by-Evidence.pdf
[4] http://cdn.cnn.com/cnn/2019/images/03/07/stone_et_al_v_trump_et_al__mddce-17-02459__0249.0.pdf